Vayicra

Vayicrá

Sinopse

Este terceiro livro do Pentateuco é chamado pelos nossos Sábios z”l de Torat Cohanim – a Lei dos Cohanim – uma vez que em grande parte, trata sobre as leis referentes ao serviço no Templo e outros detalhes relativos aos cohanim.

Estando o Mishcan (Tabernáculo) pronto, esta parashá discorre sobre os diversos tipos de corbanot (oferendas) e como devem ser realizados.

A oferenda de Olá (ascendente) é totalmente consumida pelo fogo do Altar e pode ser feita tanto com bezerros como com cordeiros e cabritos ou com pombos e rolas. O ofertante deve pressionar suas mãos sobre a cabeça do animal e, depois deste ser abatido, seu sangue é vertido nos lados nordeste e sudoeste do Altar. Sua carne é cortada em pedaços e queimada sobre o Altar. No caso das aves, o processo é um pouco diferente.

A oferenda de Minchá (oblação) é feita com flor de farinha (solet) juntamente com azeite e levoná (olíbano, uma especiaria). O cohen tira um punhado de três dedos dobrados cheios da farinha (cômets) e queima a farinha sobre o Altar. O restante é consumido com santidade pelos cohanim. Há mais alguns tipos de Minchá: a Minchá assada no forno (constituída de espécies de bolos ou biscoitos não levedados de flor de farinha e azeite), a Minchat Chavitin, frita numa frigideira, e a Minchat Marcheshet, cozida numa panela. Há também a Minchá dos primeiros grãos (Bicurim), feita de grãos de cevada frescos assados numa assadeira perfurada e, posteriormente, moídos numa farinha grosseira.

A Torá ressalta que toda oferenda deve ser salgada ao ser oferecida no Altar.

A oferenda de Shelamim (pazes) pode ser feita com bezerros, cordeiros e cabritos. O ofertante deve pressionar suas mãos sobre a cabeça do animal e, depois que ele for abatido, seu sangue é vertido nos lados nordeste e sudoeste do Altar. Algumas partes do animal (principalmente as gorduras), especificadas pela Torá, devem ser queimadas sobre o Altar. Parte do remanescente é consumida pelo proprietário da oferenda e outra parte pelos sacerdotes.

A Torá ressalta que, uma vez que o sangue e as gorduras internas prescritas por ela devem ser ofertados a D’us, estes são eternamente proibidos ao consumo dos judeus, mesmo provenientes de animais abatidos fora do Templo.

A Torá narra de forma minuciosa os diversos tipos de oferendas de Chatat (transgressão), trazidas por um pecado cometido inadvertidamente: se o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) comete uma violação involuntária, deve trazer um bezerro. Se toda a comunidade de Israel comete uma infração por conta de um erro do San’hedrin (o Grande Tribunal), este também deve trazer um bezerro. Se o Rei de Israel peca não intencionalmente, deve trazer um cabrito. Um indivíduo comum, num caso desses, deve trazer uma cabrita ou uma cordeira.

Depois, a Torá menciona uma lista de pecados pelos quais é possível trazer um Corban Olê Veyored – oferenda variável de acordo com as posses: os mais ricos trazem uma cabra ou ovelha. Os menos favorecidos trazem duas rolas ou dois pombos. Os mais pobres devem trazer 1/10 de efá (cerca de 2,2L) de flor de farinha de trigo.

A oferenda de Asham (culpa) é trazida por cinco tipos de pecado, inclusive por atos de desonestidade, como o de alguém que roubou e jurou negando o fato. Além de devolver o que roubou, esta pessoa precisa trazer uma oferenda de Asham para expiar esse pecado.

Quem estiver em dúvida se cometeu ou não um pecado, deverá trazer um cordeiro como oferenda – chamada de Asham Taluy (culpa pendente).

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Socorro! Fui Roubar!

Ao referir-se a um indivíduo que roubou e jurou falsamente negando o fato, a Torá declara: “Vehayá ki yechetá veashem, veheshiv et haguezelá asher gazal” – “Quando ele pecar e for culpado, deverá devolver o roubo que roubou” (Vayikrá 5:23).

Por que o versículo utiliza uma linguagem aparentemente supérflua em dois lugares?

Rav Chayim Vital explica a primeira “redundância” da seguinte maneira: quando alguém comete um pecado contra outra pessoa, incorre em dois erros, pecando contra o próximo e também contra D’us, Que proibiu aquele ato. Por isso está escrito: “Vehayá ki yechetá(quando ele pecar contra seu próximo) veashem (e for culpado perante D’us, também)” – como poderá ser perdoado por isso? Não é suficiente pedir perdão a D’us. A Torá determina: “Veheshiv et haguezelá asher gazal”: para poder começar a pensar em pedir perdão a D’us, é preciso primeiro devolver o que foi roubado. Enquanto o produto do roubo estiver em suas mãos, não poderá pedir perdão a D’us.

Nossos mestres explicam a segunda aparente redundância do versículo “Veheshiv et haguezelá asher gazal” – “Ele devolverá o roubo que roubou”. Muitas vezes, alguém rouba sem perceber, sem intenção. Quando lhe cobram e exigem que devolva, ele pensa: “Não roubei nada. Tenho o direito de ficar com isto. Mesmo assim, vou ser generoso, fazer um favor e devolver”. Diz a Torá: está errado pensar dessa maneira. Se pensar assim, continuará roubando. Por isso, não basta apenas devolver o produto roubado. É preciso assumir que roubou: “Ele devolverá o roubo que roubou”!

Conforme as leis de devolução de objetos roubados, quando alguém rouba um objeto, deve devolver o mesmo objeto e não seu valor em dinheiro, a não ser que não disponha mais do objeto para poder devolver, por tê-lo transformado em outra coisa.

Há uma discussão no Talmud sobre o caso de uma pessoa que roubou uma viga e utilizou-a para construir sua própria casa. O que deve fazer? Bet Shamay diz: que destrua a casa e restitua a viga que roubou. Bet Hilel diz: é verdade que Bet Shamay tem toda a razão: a viga não foi transformada e se encontra no meio da construção. No entanto, se formos assim severos, as pessoas não farão teshuvá, por ela ser difícil demais e o prejuízo, excessivo. Assim, por “tacanat hashavim” – para que as pessoas consigam fazer teshuvá – temos de ser lenientes e considerar que a própria viga foi transformada e desse modo não será preciso retirar a viga de sua construção. Deverá apenas devolver seu valor em dinheiro.

O Gaon de Vilna questiona: se a Torá nos ordenou a mitsvá de devolver algo roubado, por que não há uma bênção para esta mitsvá? Pois antes de realizar mitsvot ativas recitamos uma berachá. Poderíamos, por exemplo, recitar “Asher kideshánu… lehashiv et haguezelá” – “Que nos santificou com suas mitsvot e nos ordenou devolver o item roubado”.

O Gaon de Vilna responde: neste caso, não se recita berachá, porque esta mitsvá é considerada “mitsvá habaá baaverá” – uma mitsvá que vem como consequência de um pecado. Não existe uma mitsvá na Torá de roubar para devolver. Trata-se de um caso pós fato: o retificar quando alguém roubou.

 

O Chafets Chayim era conhecido por seu extremo zelo em não incorrer sequer numa sombra de algo parecido com roubo. Em que momento isso se originou?

Conta-se que, quando tinha quatro anos, passava certa vez com seus amiguinhos pela feira quando a cesta de frutas de uma vendedora caiu e as frutas rolaram pelo chão. Crianças como eram, cada uma delas pegou uma fruta e saiu correndo. Passaram-se alguns dias e o pequeno Chafets Chayim estudou na Torá que é proibido roubar e que há a mitsvá de devolver aquilo que foi roubado. Ele implorou para que os pais lhe dessem umas moedinhas e correu para a feira. Comprou uma fruta daquela senhora, devolveu-a à cesta e saiu correndo, para poder cumprir a mitsvá de devolver aquilo que pegou sem permissão.

Muitos anos mais tarde, ele fez um contrato com um dos alunos de sua yeshivá: o aluno copiaria seus manuscritos (naquela época não havia fotocópia) e o Chafets Chayim pagaria determinada soma por página, sendo que cada página tinha vinte linhas.

Os anos foram passando e, de repente, o Chafets Chayim foi até seu aluno e lhe disse: “O que será do meu Dia de Julgamento? Estou roubando de você!” O rapaz olhou para ele, assustado. O Chafets Chayim explicou: “Contratei-o para me escrever vinte linhas por página e pago de acordo, mas agora percebi que, em vez de escrever somente vinte linhas, você aproveitou um pouco do cabeçalho e do rodapé de algumas páginas. Assim, algumas páginas têm vinte e uma ou vinte e duas linhas e não estou pagando por elas”.

O rapaz disse: “Não se preocupe, rabino. Eu abro mão, está incluso no ‘pacote’”. O Chafets Chayim insistiu: “Você sabe quantas linhas a mais escreveu?” O rapaz respondeu: “Não faço ideia!” O Chafets Chayim, então, sentou-se e olhou folha por folha, contando cada uma das linhas a mais. Quando, enfim, terminou, pagou a diferença ao aluno. Este, encantado, observou: “Mestre! O senhor teve o mérito de cumprir uma mitsvá que ninguém jamais ousaria pensar que o senhor poderia cumprir: ‘Veheshiv et haguezelá – ele devolverá o roubo!’”. O Chafets Chayim retrucou: “Sinto muito, mas essa é uma mitsvá que todos nós deveríamos rezar todos os dias para nunca termos de cumprir”!

 

s páginas têm vinte e uma ou vinte e duas linhas e não estou pagando por elas”.

O rapaz disse: “Não se preocupe, rabino. Eu abro mão, está incluso no ‘pacote’”. O Chafets Chayim insistiu: “Você sabe quantas linhas a mais escreveu?” O rapaz respondeu: “Não faço ideia!” O Chafets Chayim, então, sentou-se e olhou folha por folha, contando cada uma das linhas a mais. Quando, enfim, terminou, pagou a diferença ao aluno. Este, encantado, observou: “Mestre! O senhor teve o mérito de cumprir uma mitsvá que ninguém jamais ousaria pensar que o senhor poderia cumprir: ‘Veheshiv et haguezelá – ele devolverá o roubo!’”. O Chafets Chayim retrucou: “Sinto muito, mas essa é uma mitsvá que todos nós deveríamos rezar todos os dias para nunca termos de cumprir”!